O drama “Serra Pelada”, dirigido por Heitor
Dhalia e protagonizado por Juliano Cazarré, Júlio Andrade, Sophie
Charlotte, Wagner Moura e Matheus Nachtergaele.
O
cinema brasileiro, com custo muito menor que o americano – “Serra
Pelada” consumiu R$ 10 milhões – começa a entregar ao espectador boas
produções, e embarca a singularidade de mostrar cortes da história atual
do país, no caso, um detalhe do que foi o maior garimpo a céu aberto do
mundo.
> A corrida do ouro
A
corrida à Serra Pelada começou na segunda metade da década de 70,
quando Genésio da Silva encontrou a primeira pepita. Há a versão de que
ele cavava o chão para plantar banana, o que é puro romantismo. Na
verdade, desde a prospecção de Carajás, soube-se que ao Norte da jazida
de ferro havia rastros de ouro, e Genésio, assim como outros poucos que
por lá fizeram cavas, não estava plantando banana e sim garimpando.
É verdade, todavia, que o enxame de garimpeiros que se fizeram à Serra, lá pousaram depois do achado de Genésio.
> Febre alta
Eu
fui um dos que se fez à Serra Pelada. O frescor da juventude, temperado
com a febre do ouro, inculcou-me a expectativa da fortuna. Depois de
três dias lá, e da compra de percentuais em barrancos “quase” para
chegar no filão, voltei imaginando o que faria com todo o dinheiro que
ainda ia ganhar.
> Clandestinos
Quando
nos fizemos à Serra – eu e mais 8 ou 10 amigos de Tucuruí - o Governo
Federal já nomeara como interventor o Major Curió, que de fato colocou
alguma ordem naquele caos, e não mais era possível entrar
indiscriminadamente: Curió fez do garimpo um gueto, e depois dele todos
os que lá penetravam o faziam clandestinamente.
Finava-se
a tarde quando saímos de Marabá até a trilha que nos levaria à cava.
Por volta das 20h, noite escura, iniciamos a caminhada em mata fechada,
até a Serra. Aos 22 anos aquilo, para mim, foi um passeio.
Os
mateiros proibiam ligar lanternas e ninguém podia conversar, para não
alertar os “jagunços do Curió”, espalhados pela floresta para pegar os
clandestinos. Eu acreditei e compenetrei-me. Hoje sei que era troça e
uma maneira de lhes valorizar o trabalho, que era cobrado por cabeça.
O
Sol ainda dormia quando entramos no vilarejo onde cerca de 30 mil
garimpeiros fizeram morada, à beira da cava. Atamos as redes, na “Pensão
do Amadeo”, por volta das 5h. Eu adormeci sonhando com a fortuna.
> Visão inesquecível
Foi
apenas 1 hora de sono: acordei com um burburinho peculiar. Enrolei a
rede, engatei a trouxa à escápula e fui escovar os dentes na pia, fora
da estalagem. Quando levantei a vista fiquei estupefato com o que se
descortinou: iluminados pelo Sol ardente, centenas de milhares de homens
subiam e desciam a cava, com sacos nas costas. As escadas rotas
angulavam pouco mais de 90 graus: era o famoso formigueiro. Uma visão
bíblica. Mais de 30 anos depois, e muitas milhas corridas, nunca mais vi
algo parecido.
A imagem comparativa que me veio à mente foi a construção das pirâmides do Egito. Só que ali havia uma pirâmide invertida.
A
juventude é uma beleza e seus impulsos são romanticamente fantásticos:
eu queria experimentar a sensação de carregar um saco daqueles, cava
acima. Naquele instante, eu já me sentia um garimpeiro. Seria aquilo a
tal maldição do ouro?
Os
meus três dias em Serra Pelada vocês lerão nas memórias que escrevo,
mas lhes adianto que não recuperei um tostão dos quase US$ 200 mil que
investi na compra de percentuais de barrancos que dariam ouro “em mais
uma semana”.
Hoje vejo aquela viagem como o
turismo mais caro que fiz na vida, mas como um dos mais proveitosos e
únicos, mesmo porque nem eu, e nem ninguém mais, poderá fazê-lo jamais.
A
última vez que vi Serra Pelada ainda em operação, a febre serenara e
apenas alguns recalcitrantes labutavam por lá. Sai melancólico. Não pelo
investimento que perdera totalmente, mas por saber que assistia ao
enterro de um sonho de mais de 100 mil pessoas que por ali passaram.
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