Um Estado Laico com Bancada Evangélica
Porém a bancada que mais tem conseguido projeção neste mandato talvez
seja a Bancada Evangélica. Segundo dados da própria Frente Parlamentar
Evangélica, nas eleições de 2010, a bancada cresceu de 46 deputados 74 em 2015,
O deputado João Campos, do PMDB de Goiás, afirmou que o número de
deputados evangélicos chega a 79, mas existem mais dez que são suplentes
e devem assumir o mandato em 2016. Ele destacou a aprovação do Estatuto
da Família - projeto que causou polêmica com o movimento LGBT por
definir família como um núcleo formado por um homem e uma mulher - como
uma das prioridades da bancada.
Se fossem comparadas às bancadas dos partidos, a Evangélica seria a
terceira maior do Congresso, atrás apenas das do PT e do PMDB, . A força do grupo,
liderado principalmente por religiosos e representantes da Assembleia de
Deus, mostrou-se já durante a campanha, quando pautaram, juntamente com
os membros da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a
questão da legalização do aborto na agenda dos candidatos à presidência.
A atual distribuição dos membros das bancadas por partidos é a seguinte:
![Divisão da Bancada Evangélica por partidos](https://lh3.googleusercontent.com/-zWzCMYnXGEI/TuZ2erguPuI/AAAAAAAAAKM/gjClp47ZQZ0/s626/bancada%252520evangelica%252520por%252520partidos.png)
A bancada evangélica tem feito o monitoramento de 368 projetos da Câmara
e do Senado, a maioria referente a questões de direitos individuais, e
agido não de acordo com o programa dos seus partidos, legalmente
constituídos e pelos quais foram eleitos, mas sim pelas orientações
religiosas a que professam.
Desde 1940, o artigo 128 do Código Penal permite a prática do aborto em
apenas dois casos: se não há outro meio de salvar a vida da gestante
(aborto terapêutico), ou se a gravidez resulta de estupro e há
consentimento da gestante (aborto sentimental).
A ex-Ministra da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéa
Freire, disse em entrevista ao Estadão que a proposta “é retrocesso, uma
proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Nós apoiamos a
liberdade de escolha da mulher”.
Na mesma reportagem, a advogada Samantha Buglione, do Instituto Antígona
e das Jornadas Pelo Direito de Decidir, afirma que “Há uma dificuldade
em compreender que o Estado democrático surge para assegurar a liberdade
de crença da população. Há uma confusão no entendimento de alguns
parlamentares entre direito e moral, entre religião e política pública.”
![Divisão da Bancada Evangélica por Igrejas](https://lh3.googleusercontent.com/-wUkg4XgLgqY/TuZ2ewTJjNI/AAAAAAAAAKY/nSsdztUhX2E/s810/divis%2525C3%2525A3o%252520da%252520bancada%252520por%252520igrejas.png)
Gráfico por João Victor Moura
Outro ponto fundamental da plataforma da bancada evangélica é a questão
relacionada aos direitos da comunidade LGBTT. Vários já foram os ataques
da bancada. O primeiro a criar polêmica diz respeito ao kit Escola sem
Homofobia, erroneamente chamado pela bancada de “Kit gay”. O material do
Ministério da Educação seria distribuído entre escolas de ensino médio,
buscando esclarecer questões a respeito da diversidade sexual e, assim,
diminuir os preconceitos dentro das escolas e da sociedade. Os
parlamentares da bancada evangélica, no entanto, ameaçaram não votarem
mais nada até que o kit fosse recolhido e, se a presidenta Dilma
aprovasse o material, iriam convocar o então ministro da Casa Civil,
Antônio Palocci, para prestar depoimento sobre seu rápido
enriquecimento. A “chantagem” deu resultado e a presidenta mandou
suspender o kit, chamando-o de “inadequado”.
A bancada agiu da mesma forma frente ao Estatuto do Juventude, aprovado
na Câmara no dia 05 de outubro. O texto prevê, entre outras coisas, o
pagamento de meia-entrada para os estudantes na faixa etária de 15 a 29
anos no transporte público e em eventos artísticos, culturais e de
entretenimento em todo o território nacional (As atuais leis sobre a
meia-entrada são de âmbitos estaduais e municipais). O ponto atacado
pela bancada evangélica, no entanto, foi o que diz respeito ao
tratamento de temas relacionados à sexualidade nos conteúdos escolares. O
projeto do Estatuto da Juventude só seguiu adiante, para a apreciação
do Senado, após a relatora, Manuela D’Ávilla (PCdoB – RS), acrescentar
ao texto um adendo dizendo que o tema seria tratado “desde que
respeitado a diversidade de valores e crenças”.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou com
unanimidade a união homoafetiva estável (para saber mais do julgamento,
clique AQUI)
e, em outubro, o Supremo Tribunal da Justiça (STJ) aprovou o primeiro
casamento homoafetivo, abrindo precedentes para a prática seja adotada
em todo o país. A Frente Parlamentar Evangélica (Associação civil de
natureza não-governamental, constituída no âmbito do congresso nacional,
integrada por deputados federais e senadores da República), na pessoa
do seu presidente, o deputado João Campos (PSDB-GO), entrou com um
pedido de inclusão na legislação brasileira de um dispositivo que impeça
que igrejas sejam obrigadas a celebrar cerimônias de casamento entre
homossexuais. Porém, a proposta parece infundada, visto que em nenhum
momento a aprovação da união estável e do casamento homoafetivos
interfere nas práticas religiosas. Em entrevista ao G1, o deputado
federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) afirmou que “Isso é desespero para
confundir a opinião publica, para jogar união publica contra o direito
civil. O direito é publico, a fé é privada. Nenhum homossexual quer
casar em igreja”.
Estes são apenas alguns exemplos das medidas tomadas pela bancada
evangélica na tentativa de vetar alguns direitos individuais,
principalmente aqueles relacionados à liberdade sexual. Além disso,
ainda se trava no campo político e na sociedade em geral uma batalha
referente à aprovação da PLC 122/2006, que prevê o crime de homofobia
(saiba mais clicando AQUI),
projeto contra o qual a bancada já criou passeatas públicas, alegando
que a aprovação vai contra o direito de liberdade religiosa.
![Divisão da Bancada Evangélica por Estados](https://lh3.googleusercontent.com/-VPIS14T-axw/TuZ2epvWDuI/AAAAAAAAAKI/uME2kUeqnDM/s793/divisao%252520da%252520bancada%252520evangelica%252520por%252520estado.png)
Gráfico por João Victor Moura
Os membros do Poder Executivo, vereadores, deputados estaduais ou
federais, senadores, juízes de Direito, juízes federais,
desembargadores, ministros de tribunal superior e presidente têm a
obrigação que exercer suas funções de acordo com os princípios fundantes
do Estado; Como a Laicidade é garantida por Constituição, os
representantes do poder público deveriam agir em defesa da separação do
Estado das Religiões. Porém não é isso que temos observado na prática.
(Para mais informações sobre o nosso frágil Estado Laico, clique AQUI)
Pensando nisso, a procuradora em Brasília do município de São Paulo,
Simone Andréa Barcelos Coutinho, defende uma reforma no código eleitoral
que acabe com as bancadas católicas e evangélicas no Congresso
Nacional. Para ela, é inconcebível que em um Estado Laico existam
partidos que tragam em seu nome a palavra “Cristão”, por exemplo.
(Leia o artigo completo da procuradora Simone Andréa Coutinho clicando AQUI)
A medida pode parecer um tanto drástica, mas se formos analisar as falas
dos atuais parlamentares que compõem a bancada evangélica, como o
deputado federal Henrique Afonso (PT-AC), que disse: “O Estado deve
garantir o que pensa a maioria e acredito que a maioria dos brasileiros
acredita no que Deus prega, que é o direito à vida. Não posso separar o
deputado do cristão”, notamos o quanto o debate é pertinente e urgente.
A consolidação do Estado Laico – garantido na nossa Constituição, mas
como vimos, bastante frágil em sua prática – não é importante apenas
para a comunidade LGBTT. Sua consolidação vem favorecer os praticantes
de todas as religiões ou de nenhuma delas, que têm dessa forma
asseguradas a sua liberdade de crença e de descrença.
Como diz a procuradora Simone Andréa Coutinho:
“O pluralismo, por si só, é incompossível com qualquer forma de união entre o Estado e qualquer religião, pois aquele significa a tolerância e o respeito à multiplicidade de consciências, de crenças, de convicções filosóficas, existenciais, políticas e éticas, em lugar de uma sociedade em que as opções da maioria são impostas a todos, travestidas de “bem comum”, “vontade do povo”, “moral e bons costumes” e outros. (…)O Estado laico respeita e tolera, pois, a diversidade de crenças de toda sorte. Mais do que isso, atua em obediência necessária ao pluralismo de consciência, de crença, de culto ou de manifesta ausência de sentimento ou prática religiosa. Sobretudo, um Estado laico e pluralista conduz seus negócios, pratica seus atos e define o interesse público com total independência de qualquer religião, grupo ou sentimento religioso, ainda que francamente majoritário. (…)A Constituição da Republica Federativa do Brasil determina que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, inc. II). A religião, assim como a tradição, a ninguém obriga.”
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