segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Serra Pelada

Por Parsifal Pontes

O drama “Serra Pelada”, dirigido por Heitor Dhalia e protagonizado por Juliano Cazarré, Júlio Andrade, Sophie Charlotte, Wagner Moura e Matheus Nachtergaele. 

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O cinema brasileiro, com custo muito menor que o americano – “Serra Pelada” consumiu R$ 10 milhões – começa a entregar ao espectador boas produções, e embarca a singularidade de mostrar cortes da história atual do país, no caso, um detalhe do que foi o maior garimpo a céu aberto do mundo.

> A corrida do ouro
 
A corrida à Serra Pelada começou na segunda metade da década de 70, quando Genésio da Silva encontrou a primeira pepita. Há a versão de que ele cavava o chão para plantar banana, o que é puro romantismo. Na verdade, desde a prospecção de Carajás, soube-se que ao Norte da jazida de ferro havia rastros de ouro, e Genésio, assim como outros poucos que por lá fizeram cavas, não estava plantando banana e sim garimpando.
É verdade, todavia, que o enxame de garimpeiros que se fizeram à Serra, lá pousaram depois do achado de Genésio. 

> Febre alta
 
Eu fui um dos que se fez à Serra Pelada. O frescor da juventude, temperado com a febre do ouro, inculcou-me a expectativa da fortuna. Depois de três dias lá, e da compra de percentuais em barrancos “quase” para chegar no filão, voltei imaginando o que faria com todo o dinheiro que ainda ia ganhar. 

> Clandestinos
 
Quando nos fizemos à Serra – eu e mais 8 ou 10 amigos de Tucuruí - o Governo Federal já nomeara como interventor o Major Curió, que de fato colocou alguma ordem naquele caos, e não mais era possível entrar indiscriminadamente: Curió fez do garimpo um gueto, e depois dele todos os que lá penetravam o faziam clandestinamente. 

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Finava-se a tarde quando saímos de Marabá até a trilha que nos levaria à cava. Por volta das 20h, noite escura, iniciamos a caminhada em mata fechada, até a Serra. Aos 22 anos aquilo, para mim, foi um passeio.
Os mateiros proibiam ligar lanternas e ninguém podia conversar, para não alertar os “jagunços do Curió”, espalhados pela floresta para pegar os clandestinos. Eu acreditei e compenetrei-me. Hoje sei que era troça e uma maneira de lhes valorizar o trabalho, que era cobrado por cabeça. 

O Sol ainda dormia quando entramos no vilarejo onde cerca de 30 mil garimpeiros fizeram morada, à beira da cava. Atamos as redes, na “Pensão do Amadeo”, por volta das 5h. Eu adormeci sonhando com a fortuna. 

> Visão inesquecível
 
Foi apenas 1 hora de sono: acordei com um burburinho peculiar. Enrolei a rede, engatei a trouxa à escápula e fui escovar os dentes na pia, fora da estalagem. Quando levantei a vista fiquei estupefato com o que se descortinou: iluminados pelo Sol ardente, centenas de milhares de homens subiam e desciam a cava, com sacos nas costas. As escadas rotas angulavam pouco mais de 90 graus: era o famoso formigueiro. Uma visão bíblica. Mais de 30 anos depois, e muitas milhas corridas, nunca mais vi algo parecido. 

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A imagem comparativa que me veio à mente foi a construção das pirâmides do Egito. Só que ali havia uma pirâmide invertida. 

A juventude é uma beleza e seus impulsos são romanticamente fantásticos: eu queria experimentar a sensação de carregar um saco daqueles, cava acima. Naquele instante, eu já me sentia um garimpeiro. Seria aquilo a tal maldição do ouro? 

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Os meus três dias em Serra Pelada vocês lerão nas memórias que escrevo, mas lhes adianto que não recuperei um tostão dos quase US$ 200 mil que investi na compra de percentuais de barrancos que dariam ouro “em mais uma semana”. 

Hoje vejo aquela viagem como o turismo mais caro que fiz na vida, mas como um dos mais proveitosos e únicos, mesmo porque nem eu, e nem ninguém mais, poderá fazê-lo jamais. 

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A última vez que vi Serra Pelada ainda em operação, a febre serenara e apenas alguns recalcitrantes labutavam por lá. Sai melancólico. Não pelo investimento que perdera totalmente, mas por saber que assistia ao enterro de um sonho de mais de 100 mil pessoas que por ali passaram.

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