segunda-feira, 11 de março de 2013

Zé Dirceu do PT Entrevista lider LGBT









Falta coragem a nossos aliados. Eles têm medo de perder votos”

Ativista diz que partidos precisam ser mais claros ao apoiar direitos do homossexuais
“Falta coragem a nossos aliados. Eles têm medo de perder votos”

Umas das principais referências do Brasil na luta pelos direitos dos homossexuais, Toni Reis diz que os partidos precisam ter mais coragem para assumir essa bandeira. “Temos muitos aliados que estão no armário. Não que sejam homossexuais. São heterossexuais, mas têm medo de perder votos”, diz o ativista em conversa com este blog.

Reis passou seis anos na presidência da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) – cargo que deixou no início deste ano – e é diretor do Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX) e do Grupo Dignidade. Ele diz que a comunidade gay conquistou direitos recentemente, via Judiciário, mas falta uma ação mais incisiva dos partidos políticos – e, acentua, também do Executivo.

Para Toni Reis, existe hoje uma ameaça real e significativa à conquista dos direitos das minorias: o fundamentalismo religioso. “E o poder que essas pessoas estão tendo, inclusive elegendo representantes nas Câmaras, nas Assembleias e no próprio Congresso Nacional.”
Reis também alerta que é preciso aprovar o mais rapidamente possível o projeto que criminaliza a homofobia no país. Acompanhe a entrevista:
[ Zé Dirceu ] Como podemos classificar o Brasil em relação aos direitos homossexuais? Comparado com outros países, como o Brasil está?
[ Toni Reis ]  O Brasil evoluiu bastante na questão do Judiciário, nós temos alguns direitos através do Supremo Tribunal Federal. A decisão sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade [da união homoafetiva] foi unânime, e isso para a gente foi fundamental. Hoje já temos cinco Estados que já tem o casamento, mas através da Justiça.

No Legislativo, estamos no atraso. Temos lá um problema sério do fundamentalismo. Tem um setor muito organizado. Embora tenhamos aliados, tem muita gente em cima do muro. Estamos bastante atrasados em relação a Uruguai – apenas para citar os vizinhos –, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, México e Cuba. Argentina está ganhando de dez a zero.

Com relação à Europa, estamos perdendo feio para Portugal, para Espanha, vamos perder também para a França. Tudo isso no Legislativo.

No Executivo, tivemos um grande avanço na época do governo Lula. Nós tivemos a primeira Conferência Nacional dos Direitos Humanos, que foi um grande avanço, com a presença de oito ministros, do presidente Lula, mesmo com todo um setor fundamentalista pressionando que ele não fosse.

Mas agora, no Executivo, tivemos um retrocesso, principalmente com o pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff por causa do material que feito com mais de 500 técnicos, mestres, doutores, o material da Escola Sem Homofobia [o kit acabou sendo vetado]. Por pressão de um setor, foi suspenso. Nós estamos dialogando para superar esse impasse e mostrar que não é propaganda de opções sexuais. O que nós queremos é cidadania, direitos humanos, não queremos privilégio nenhum. Queremos ser tratados como qualquer cidadão, naturalmente.

Então, em resumo, não somos nenhum país da África onde há pena de morte para homossexuais – hoje temos sete países no mundo assim e 75 países que criminalizam a homossexualidade –, mas estamos longe... Se fosse dar uma nota para o nosso país, seria nota seis.

Mas podemos recuperar e creio que a nossa mobilização tem conseguido isso. Através das nossas paradas, temos 200 paradas em todo o Brasil. A ABGLT está com 284 organizações em todos os Estados e nas maiores cidades. Eu creio que a gente tem que forçar um pouco e trabalhar para diminuir essa questão do fundamentalismo religioso.


 

[ Zé Dirceu ] Como é nas empresas, nas universidades hoje? Avançou?
[ Toni Reis ] Temos 30 universidades, das federais, com grupos de estudos, publicações, estudiosos. Nas empresas, uma pesquisa do Departamento Nacional de DST/Aids mostra que 51% de nossa comunidade já foi discriminada. Dentro da educação, é um problema sério: 40% dos meninos não gostariam de estudar com gays ou lésbicas.

Para nós, de todas as áreas, a educação é a fundamental. E a questão é do respeito à diversidade. Todos precisam ser respeitados. Não precisa aceitar, não precisar pegar a bandeirinha do arco-íris e ir à Parada Gay. Mas respeitar os nossos direitos é o que queremos.

[ Zé Dirceu ] Por que a Assembleia da França – e de outros países anteriormente – conseguem aprovar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e o Brasil continua parado? É mais por causa da reação fundamentalista ou também falta de coragem?
[ Toni Reis ] Falta coragem de nossos aliados. Temos muitos aliados que estão no armário. Não que sejam homossexuais. São heterossexuais, mas têm medo de perder votos.
No caso da Espanha, da Argentina e do Uruguai, os partidos foram fundamentais. Os partidos têm que levantar a bandeira e ter coragem de defender os direitos humanos. Os direitos humanos são para todos, independentemente da orientação sexual, da cor, da religião...
O posicionamento do [François] Hollande [presidente da França] foi fundamental, ele foi lá e bancou. Precisamos de um posicionamento partidário. Nós, do movimento, estamos fazendo nosso papel, mas quem toma a decisão no Legislativo são os partidos. Precisamos que assumam essa bandeira do princípio da igualdade.
[ Zé Dirceu ] Nesse sentido, como você avalia a postura do PT?

[ Toni Reis ] O PT, historicamente, sempre nos defendeu. Tivemos duas ou três exceções que parlamentares que se posicionaram contra, mas que foram chamados ao conselho de ética, inclusive dois saíram do partido...
O partido tem resolução desde sua fundação, tem documentos, tem um posicionamento muito claro. Embora, em dados momentos, tenha se assustado com esse fundamentalismo. Nós precisamos de uma postura mais crítica e incisiva. Precisamos enfrentar e dizer “queremos a laicidade do Estado”.
Respeitamos evangélicos, católicos, ateus, judeus, mas precisamos de uma ação mais incisiva do PT e por parte dos partidos de esquerda e de outros, porque nossa comunidade vai desde a extrema esquerda até a direita.

O PT tem uma história de apoio [à comunidade gay] e inclusive sofre por isso. Nas eleições passadas, setores conservadores e fundamentalistas atacaram candidaturas do PT. 

[ Zé Dirceu ] Qual a importância de políticas públicas no combate ao preconceito e na conquista de direitos?
[ Toni Reis ] É fundamental. O Estado existe para as pessoas que mais precisam. Para a gente ter a igualdade de direitos e oportunidades. Isso é fundamental em todos os ministérios da área social.
[ Zé Dirceu ] Há um projeto tramitando no Congresso que admite a cura da homossexualidade. Acredita que haja chance de aprovação?
[ Toni Reis ] Infelizmente deve passar nas comissões, mas deve ser derrubado em plenário. Isso é um acinte. Isso foi derrubado em 1990 pela organização Mundial de Saúde. A Associação de Psiquiatria derrubou em 1973. A homossexualidade não é uma doença. Isso [projeto] está ferindo a autonomia dos conselhos de psicologia, é muito grave. É uma perda de tempo, é uma besteira muito grande.
[ Zé Dirceu ] Na última campanha municipal, houve exploração da homossexualidade (usando o termo “kit gay”, por exemplo). Qual o impacto disso sobre o eleitor, sobre o cidadão?
 [ Toni Reis ] O material Escola Sem Homofobia - tivemos uma grande pesquisa em 11 capitais, tivemos seminários em todas as regiões, mais de 500 pessoas participaram - é muito bem feito, em nenhum momento havia apologia à homossexualidade. Eu acho que [o uso eleitoral] foi um desserviço à cidadania. Prova disso foi em São Paulo, onde o [prefeito Fernando] Haddad foi atacado.
Inclusive eles [adversários de Haddad] tinham copiado parte do material, que era muito bem feito. Material do próprio José Serra [durante seu governo em São Paulo]. E a gente sempre viu o José Serra, como ministro da Saúde, positivamente. Ele falou uma frase que na época me marcou muito: “As religiões devem cuidar da alma e eu, como ministro, devo cuidar do corpo”. E depois ele não praticou o que falou. Então, isso para a gente foi bastante triste.
Mas a população reprovou isso na cidade de São Paulo. Mas em algumas capitais e em algumas cidades, pegou esse discurso conservador, que é muito raso.
[ Zé Dirceu ] E nas escolas, o que pode e tem sido feito no combate à discriminação?
[ Toni Reis ] Eu acho que a resposta é a educação, para a questão do machismo, do racismo, de todas as formas de discriminação. Tem que aprender a respeitar o outro, seja qual for a especificidade. Tem que aprender a conviver harmonicamente e sem discriminação.
É por isso que a gente vai atuar nas conferências de educação, tanto municipais, estaduais e federal. Queremos que tenha mais estudo sobre isso, não levando a apologia à homossexualidade, porque não precisa de apologia. Queremos apologia à cidadania, ao respeito, à convivência harmônica. E a escola é fundamental nesse sentido.

 
[ Zé Dirceu ] Que tipo de papel cumprem hoje as ONGs que defendem os direitos humanos de gays, lésbicas e travestis?
[ Toni Reis ] Primeiro, o denunciar toda e qualquer forma de discriminação. Nesse sentido, o governo Lula e agora a Dilma têm feito sempre. Hoje nós temos dados reais. Tirou do armário o preconceito e a discriminação, através do Disk 100, por exemplo. Hoje temos um diagnóstico da discriminação.
Segundo, da conscientização dessa comunidade. E terceiro, fazer o que chamamos de advocacy, que é o antigo lutar. Fazer o advocacy junto às autoridades competentes para que haja políticas públicas.


[ Zé Dirceu ]
Embora não seja possível fazer uma escala de preconceitos, há um perverso, até mesmo entre os gays: contra travestis e transexuais. Há esperança de mudança em curto prazo?

[ Toni Reis ] Nós somos frutos do preconceito. Temos mulheres machistas, negros que são racistas e gays que são homofóbicos – inclusive no mundo político. Há muitas pessoas que não aceitam sua sexualidade e acabam tendo uma certa aversão, prejudicando nossos direitos.
[ Zé Dirceu ] Casos de violência contra homossexuais e travestis são um problema de polícia ou também de política?
[ Toni Reis ] Acho que os dois. Temos um levantamento que mostra cerca de 3,8 mil casos de assassinatos [de homossexuais] no Brasil, é muita gente. São assassinatos gravíssimos, com requintes de crueldade. Muitas vezes, apenas 2% desses casos são resolvidos.  Tem que haver investigação, a impunidade é muito grande.
Tivemos recentemente em Valparaíso (GO) um caso em que a própria polícia decepou os dedos de uma menina lésbica [a denúncia está sendo investigada]. Isso choca. Na UnB, uma lésbica foi espancada dentro da universidade. Precisamos de política para as pessoas respeitarem.




[ Zé Dirceu ] Como você vê hoje a representação de gays e lésbicas na TV brasileira?
[ Toni Reis ] Melhorou. Mas ainda temos três problemas: nos programas policiais; nos religiosos, nos quais alguns pastores se utilizam de uma concessão pública de forma sorrateira para incutir no pai, na mãe e nos familiares o preconceito; e nos programas humorísticos.
Mas a gente tem percebido que as telenovelas e os telejornais realmente têm melhorado. Foi a primeira profissão no Brasil – os jornalistas – em que aprovamos, em 1987, o respeito pela orientação sexual. A cobertura dos jornais impressos melhorou.
Claro que existem alguns setores, alguns articulistas bastante homofóbicos, mas em geral os meios de comunicação têm dado uma cobertura interessante à nossa situação.
[ Zé Dirceu ] Qual o principal problema enfrentado hoje?
[ Toni Reis ] É o avanço do fundamentalismo religioso. A intolerância religiosa à questão dos direitos das mulheres, das minorias, é um problema sério. Hoje a bola da vez são os homossexuais. Mas há a questão das mulheres, dos negros, dos ateus, dos espíritas. Nós estamos resistindo de todas as formas.
Então o grande problema hoje é o fundamentalismo religioso. E o poder que essas pessoas estão tendo, inclusive elegendo representantes nas Câmaras, nas Assembleias e no próprio Congresso Nacional.
[ Zé Dirceu ] Esse fundamentalismo está refletindo no dia a dia? Não é uma contradição com os avanços dos últimos anos?
[ Toni Reis ] É porque os fundamentalistas também saíram do armário. Eles falam abertamente, estão aí os projetos de lei. Se você pegar, por exemplo, o João Campos (PSDB-GO), ele tem seis, oito projetos contra a nossa cidadania. Ele quer derrubar a decisão do Supremo [a favor da união homoafetiva], quer derrubar todas as políticas da área da Saúde para travestis e homossexuais. E eles vêm com argumento bíblico, dogmático, fundamentalista.
Por isso, buscamos nos aliar com religiosos que são abertos a essa discussão, com ateus e com as pessoas que querem um estado laico.
Os fundamentalistas não podem incentivar o preconceito, a discriminação e a violência. E é isso que eles estão fazendo, com o manto da livre expressão. Temos que defender a livre expressão, mas não que incentive a discriminação.
[ Zé Dirceu ] E qual a prioridade neste momento?
[ Toni Reis ] 
É preciso criminalizar os crimes de ódio. Tivemos uma reunião com o senador Paulo Paim (PT-RS) [relator do projeto que criminaliza a homofobia] para discutir o assunto. Não queremos prender nenhum padre, nenhum pastor por questões filosóficas, a não ser que as pessoas incentivem a violência e a discriminação. Essa é a prioridade nossa no momento

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